
Margarida Ferreira: Uma Vida Dedicada à Enfermagem com Ciência, Consciência e Humanidade
Com uma carreira que atravessa quase quatro décadas, Margarida Ferreira é hoje uma das figuras mais marcantes do ensino e da prática da Enfermagem em Portugal. Iniciou a sua atividade em 1985, na unidade de cuidados intensivos do Hospital de São João, onde se confrontou desde cedo com a realidade crítica dos cuidados em contexto hospitalar. Essa experiência moldou não só o seu percurso profissional como a sua visão profundamente humanista e tecnicamente diferenciada da profissão.
Atualmente Diretora da Escola Superior de Saúde do Piaget de Gaia, Margarida Ferreira alia a vasta experiência clínica a uma sólida formação académica, que inclui um doutoramento em Saúde Pública com especialização em Saúde Ocupacional. É nesta intersecção entre ciência, ética e cuidado que fundamenta a sua ação enquanto enfermeira, investigadora e formadora.
Na entrevista que nos concedeu, fala com clareza e paixão sobre os desafios da profissão, a importância do equilíbrio emocional, a evolução do papel do enfermeiro na sociedade e a urgência de valorizar quem cuida. Destaca, ainda, o modelo formativo do Piaget, assente numa aprendizagem crítica, ativa e transformadora, que prepara profissionais para cuidar com excelência e humanidade num mundo em constante mudança.
A sua mensagem para os futuros estudantes é clara: ser enfermeiro é mais do que uma escolha profissional, é um compromisso com o outro, com o conhecimento e com um futuro mais digno e sustentável para todos.
Entrevista a Margarida Ferreira
Diretora da Escola Superior de Saúde de Gaia
O que a levou a escolher a Enfermagem como área de estudo e profissão? Houve algum momento ou influência marcante nessa decisão?
A escolha da Enfermagem surgiu de forma natural, desde muito cedo, motivada por uma vocação intrínseca para o cuidado e por uma forte sensibilidade face à fragilidade humana. Sempre percebi o ato de cuidar de forma holística, como uma intervenção integrada, centrada na pessoa, considerando-a nas suas múltiplas dimensões e respeitando a dignidade humana em todas as suas fases da vida.
Iniciei a minha prática profissional em 1985, no Hospital de São João, numa unidade de cuidados intensivos, onde prestei cuidados a pessoas em situação crítica e com risco de vida. Esta experiência intensificou a consciência da importância do papel do enfermeiro em contextos de elevada complexidade clínica. Desde então, orientei a minha formação para a Enfermagem Médico-Cirúrgica, com foco no doente crítico e, posteriormente, no doente crónico. Posteriormente, o doutoramento em Saúde Pública, com especialização em Saúde Ocupacional, permitiu-me alargar o olhar para a promoção da saúde em contextos laborais, reforçando a importância da prevenção e do ambiente seguro no bem-estar das populações. Esta trajetória formativa e profissional reflete o compromisso com uma Enfermagem tecnicamente diferenciada, humanista e cientificamente fundamentada.
Quais foram, para si, os maiores desafios na construção de uma carreira na área da saúde?
A construção de uma carreira em Enfermagem envolve desafios exigentes e contínuos, tanto a nível pessoal como profissional. Ser enfermeira implica uma entrega diária e uma disponibilidade permanente para cuidar do outro como um ser único e holístico, respeitando as suas diferentes dimensões. Esta dedicação, torna complexa a conciliação com a vida familiar, especialmente face à imprevisibilidade do horário por turnos, à sobrecarga assistencial e à elevada exigência emocional da prática clínica.
A par disso, a constante evolução científica e tecnológica na área da saúde exige um investimento contínuo em formação e atualização de competências, de forma a assegurar cuidados de qualidade, baseados na evidência.
Acresce ainda o papel do enfermeiro enquanto educador e defensor da pessoa cuidada, o que exige sensibilidade ética, comunicação eficaz e capacidade de adaptação. Todos estes desafios, apesar da sua exigência, são também catalisadores de crescimento e reforçam o propósito profundo que sustenta esta escolha profissional.
Como se desenvolve, ao longo do tempo, a capacidade de cuidar do outro com empatia sem perder o equilíbrio emocional?
A capacidade de cuidar do outro com empatia, sem perder o equilíbrio emocional, desenvolve-se ao longo do tempo através da experiência, da reflexão e formação contínua. A empatia, enquanto competência relacional essencial na prática da Enfermagem, exige uma escuta ativa, sensibilidade interpessoal e reconhecimento do outro como um ser holístico. Em ambientes de elevada exigência emocional, onde se lida com sofrimento, dor e, por vezes, com o fim da vida, é crucial compreender, acolher e responder de forma sensível e profissional, oferecer suporte de maneira equilibrada sem comprometer a própria saúde mental. Desenvolver esta competência beneficia todos os intervenientes no processo de cuidado: fortalece a relação terapêutica, promove a confiança e o bem-estar do utente e de seus familiares e contribui para a humanização dos cuidados. Para o profissional, é uma forma de prevenir o desgaste emocional e o burnout.
A Enfermagem exige uma enorme resiliência. Como se trabalha a resistência emocional num contexto em que se lida diariamente com fragilidade humana?
A resiliência emocional em Enfermagem é um processo dinâmico, contínuo, construído através da experiência clínica, da reflexão crítica e da capacidade de adaptação em contextos de elevada exigência emocional. O contacto diário com a vulnerabilidade humana requer mais do que competências técnico-científicas, exige uma robusta estrutura emocional, relacional e presença terapêutica. Cuidar de forma holística implica criar vínculos significativos sem comprometer o nosso equilíbrio pessoal. Esta capacidade é desenvolvida ao longo do tempo, com apoio entre pares, pela formação contínua por espaços de partilha e reflexão que permitem integrar experiências, reconhecer limites e preservar a saúde mental e valorização do autocuidado como prática essencial e não acessória. Cuidar de si próprio torna-se, assim, uma condição essencial para cuidar eficazmente dos outros.
A proximidade com o doente é uma característica única da Enfermagem. Como vê essa relação nos dias de hoje, com tantas mudanças na prática clínica?
Apesar das transformações significativas na prática clínica, como a digitalização dos registos, a pressão assistencial e a crescente complexidade organizacional, a relação de proximidade com o doente e família continua a ser o eixo central da Enfermagem. Esta proximidade não é apenas física, mas profundamente relacional e emocional, construída através da empatia, escuta e respeito pela singularidade de cada pessoa. A presença do enfermeiro, a sua capacidade de estar com o outro em momentos de vulnerabilidade, é insubstituível. As mudanças tecnológicas devem ser aliadas à humanização, nunca a sua substituição. Continuo a acreditar que o verdadeiro cuidado nasce da relação com o outro e da presença terapêutica. Por isso, a Enfermagem tem hoje, mais do que nunca, um grande desafio, a responsabilidade de proteger e valorizar esta dimensão única e insubstituível, mesmo perante os desafios contemporâneos da prática clínica.
O que considera fundamental mudar ou reforçar no sistema de saúde português para valorizar o trabalho dos profissionais de Enfermagem?
A valorização da Enfermagem no sistema de saúde português exige mudanças estruturais e simbólicas. É fundamental reconhecer, de forma concreta, a complexidade e a centralidade do trabalho do enfermeiro na promoção, prevenção e reabilitação em saúde. Isso implica garantir condições de trabalho dignas, com carreiras estruturadas, progressão baseada no mérito, remuneração adequada e reconhecimento da especialização. É igualmente essencial assegurar rácios seguros, promover ambientes que favoreçam o de bem-estar físico e emocional, que contribuam para a qualidade e segurança dos cuidados. Importa ainda garantir o investimento na formação contínua e permitir a participação ativa dos enfermeiros nos processos de decisão estratégica em saúde, refletindo a sua competência e liderança na prática clínica. A promoção da literacia em saúde e o reforço da autonomia profissional são caminhos que valorizam não só os enfermeiros, mas o próprio sistema. Valorizar a Enfermagem é, garantir cuidados de maior qualidade, mais humanos, seguros e sustentáveis para toda a população.
Como vê a evolução da profissão nos últimos anos e que novos horizontes se abrem para quem hoje entra nesta área?
A Enfermagem tem evoluído profundamente, afirmando-se como uma profissão científica, autónoma e essencial para a sustentabilidade dos sistemas de saúde. Ao longo da minha trajetória, testemunhei uma transformação notável, nomeadamente a valorização da especialização, o desenvolvimento de competências avançadas, a crescente presença na investigação, gestão e ensino. Hoje, a Enfermagem vai muito além dos cuidados de saúde em contexto hospitalar, estende-se à comunidade, à prevenção, à educação, à saúde digital, à liderança e à cooperação internacional. Para quem agora inicia este caminho, os horizontes são amplos e desafiantes, exigindo um pensamento crítico, reflexivo, interventivo, capacidade de adaptação e um compromisso constante com a formação continua. Acredito que o futuro da profissão será cada vez mais plural, tecnológico e colaborativo, mas nunca deverá perder a sua essência: o cuidado humano, de proximidade, significativo e valorizando a singularidade da pessoa humana. É isso que me inspira diariamente e que procuro transmitir a quem escolhe esta profissão e me acompanha neste trajeto.
Qual foi a sua motivação para assumir funções de Direção da ESS/JPVNG?
Assumir funções na Direção da Escola Superior de Saúde foi uma decisão profundamente refletida, motivada por um convite que me desafiou a sair da zona de conforto e a abraçar um novo ciclo de compromisso com a formação em saúde. Acredito que a Direção é um espaço privilegiado de transformação, onde é possível imprimir uma visão estratégica, criativa e inovadora, alinhada com os desafios emergentes. A possibilidade de dinamizar a oferta formativa, nomeadamente através da criação de cursos de pós-graduação e mestrados ajustados às reais necessidades do contexto clínico e social, foi um dos principais motores desta decisão. Este papel exige visão sistémica, liderança colaborativa e capacidade de mobilizar equipas em torno de um propósito comum: formar profissionais competentes, eticamente conscientes e preparados para cuidar com humanidade num mundo em constante evolução. Assumi este desafio com sentido de missão e com a vontade de contribuir ativamente para o futuro das Ciências da Saúde e da própria ESS/JPVNG, promovendo também a sua inserção na comunidade e o reforço de parcerias institucionais e protocolos estratégicos.
Que aspetos considera mais distintivos na formação em Enfermagem oferecida pelo Piaget em Gaia?
A formação em Enfermagem no Piaget de Gaia destaca-se por um modelo educativo inovador, centrado no estudante, na comunidade e nas suas reais necessidades formativas. Esta abordagem privilegia o desenvolvimento de competências profissionais, técnicas e relacionais, promovendo simultaneamente o pensamento crítico, o empreendedorismo e a autonomia na tomada de decisão. A articulação estreita com a investigação científica e a transferência de conhecimento permite integrar a prática baseada na evidência científica desde os primeiros momentos da formação, potenciando uma aprendizagem ativa, reflexiva e transformadora. Valoriza-se, de forma clara, a excelência do ensino e das aprendizagens, o envolvimento ético e responsável dos estudantes, a valorização das pessoas e o reforço de parcerias estratégicas e protocolos que alargam horizontes e consolidam experiências. Assumir um papel ativo neste projeto formativo representa, para mim, uma oportunidade de contribuir para a construção de uma Enfermagem mais competente, humanista e global, alinhada com os desafios contemporâneos e comprometida com o bem comum.
Que mensagem gostaria de deixar a quem pondera ingressar neste curso e abraçar a Enfermagem como missão de vida?
A quem pondera ingressar no curso de Enfermagem, deixo uma mensagem de incentivo, mas também de responsabilidade e reflexão. Ser enfermeiro é mais do que exercer uma profissão, é assumir uma missão profundamente enraizada na relação com o outro, sustentada pela escuta ativa, pela empatia e pelo cuidado centrado na pessoa, na sua singularidade e complexidade. É um percurso exigente, que convoca resiliência emocional, pensamento crítico, rigor ético e um compromisso contínuo com o saber e a humanização dos cuidados.
Na Escola Superior de Saúde do Piaget de Gaia encontrará um projeto educativo sólido, orientado para a excelência, centrado no estudante e promotor de competências técnicas, científicas e relacionais, alinhado com os desafios contemporâneos da prática em saúde. Formar-se em Enfermagem aqui, é construir um percurso de transformação pessoal e social, com impacto direto na vida das pessoas e no futuro do sistema de saúde. Se sente esta vocação, abrace-a com ânimo. O mundo precisa de profissionais que cuidem com ciência, consciência e humanidade.
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